Parece haver algo de profundamente errado nos nossos medos. A infografia sobre os animais mais mortíferos para a espécie humana, publicada no blog de Bill Gates gatesnotes, expõe a imprecisão do medo enquanto mecanismo de proteção. A questão está em saber porque é que não reagimos à presença de um mosquito ou de um caracol do mar pelo menos com o mesmo nível de alerta com que reagiríamos a um encontro com um tigre dente de sabre ou com o tubarão branco?
Se olharmos para o medo enquanto elemento sinalizador de perigo, o seu funcionamento parece tão confuso que um grupo de pessoas sentados numa audiência ou um exame académico podem receber a mesma resposta fisiológica do que um encontro inesperado com um leão numa savana repleta de mosquitos.
A jovem escritora americana Karen T. Walker diz que os nossos medos funcionam como histórias. Narrativas involuntárias que contamos a nós próprios sobre o que pode acontecer. Nesse sentido são como a ficção: criam personagens, enredos, imagens, suspense.
Em 1820 o baleeiro Essex naufragou com 20 homens a bordo, a 5000 milhas da costa do Chile depois de ter sido atacado por um cachalote. Neste trágico incidente que inspirou Herman Melville a escrever Moby Dick , a tripulação, à deriva no pacífico agarrada aos restos mortais da embarcação viu-se confrontada com uma decisão: tentar chegar às ilhas mais próximas no Taiti, conhecidas pelas horríveis histórias de canibais, tentar chegar ao Havai enfrentando as enormes tempestades da zona ou tentar alcançar a Costa sul americana, a mais distante de todas as possibilidades, o que significava seguramente ficar sem água e sem comida. Estes homens foram forçados a escolher entre o medo de ser devorado por canibais, o medo de ser engolido por uma tempestade e o medo de definhar de sede e fome.
Após várias horas de deliberação, os homens resolveram ignorar as ilhas mais próximas e seguir pelo caminho mais longo. Depois de meses à deriva no mar, 8 marinheiros foram resgatados com vida na costa sul americana. Contaram que para sobreviver tiveram que recorrer ao canibalismo.
Porque é que estes homens temeram mais os canibais do que a fome?
Os medos são extraordinários atos de imaginação que projetam o futuro, e os seres humanos são a única espécie capaz de projetar o futuro desta forma. Os canibais das ilhas Marquesas, as tempestades do Havai, o tigre de dente de sabre e o cachalote são imagens mais sensacionalistas, mais fortes, mais vivas, mais “capturadoras da imaginação” do que a fome ou o mosquito da malária..
Se pensarmos em nós como autores e leitores destas histórias, a forma como lemos os nossos medos pode ter um impacto enorme na nossa vida .
Talvez a nossa imaginação seja altamente poderosa a criar imagens de fracasso altamente aterradoras quando estamos perante uma audiência ou a construir histórias catastróficas sobre as consequências de falharmos num exame.
Às vezes os nossos medos tornam-se realidade. E isso é extraordinário . Às vezes conseguem prever o futuro. Mas é impossível prepararmo-nos para todos os medos que a nossa imaginação pode produzir. A questão é como podemos aprender a distinguir entre os medos que vale a pena ouvir e os outros?
Os medos mais subtis parecem ser os mais verdadeiros. Não saber reconhecer os nossos medos mais subtis, leva a atitudes de negação, defensividade, ansiedade social, pessimismo excessivo, optimismo excessivo e dependência ou independência maníaca, que são na maior parte das vezes os verdadeiros obstáculos que nos impedem de avançar na nossa vida pessoal e profissional.
É muito importante aprendermos a distinguir os nossos tubarões e os nossos mosquitos. Quais são os seus?
Sandra Pires
partner da unexpected